Hoje a entrevista é com uma das “Lebres” da Academia de Veteranos, Ricardo Veiga tem 39 anos e é natural de Viseu. Trabalho e dedicação é uma das bandeiras deste atleta “Ribeirinho”.
Olá Ricardo! Sabendo eu (é notório) que és um atleta em plena ascensão, podes-nos contar quando decidiste “investir” no atletismo?
Tomei essa decisão na primeira semana de janeiro de 2019. Senti que tinha de arranjar urgentemente uma forma de aliviar a tensão acumulada pelo trabalho. Correr já fazia parte de mim, no entanto não tinha a periodicidade que deveria ter para me proporcionar um bem-estar e foi aí que pensei que se me inscrevesse novamente num clube de atletismo, assumia um compromisso ao qual me teria de dedicar. Para além disso, para mim, quando estou a ultrapassar alguma fase mais complicada na vida,
tenho de ter algo que me dê um objetivo pelo qual me sinta motivado para alcançar. A minha vida estava a precisar de uma mudança e entrar na academia permitiu-me reequilibrar as energias dentro de mim.
Antes de entrares para a Academia de Veteranos, tiveste uma passagem pela formação do GDR, recordas com saudade esse tempo? Alguma situação caricata ou divertida?
Foi uma fase difícil da minha adolescência. Tinha imensos complexos por causa do meu físico, pois tinha excesso de peso. Comecei a correr e rapidamente perdi esse excesso, no entanto, achava sempre que ainda tinha peso a mais e esse pensamento levou-me a diminuir cada vez mais a ingestão de alimentos. Ninguém sabia que eu me alimentava mal. Claro que esta atitude teve repercussões no meu desempenho enquanto atleta, pois nas competições sentia fraqueza e não alcançava os resultados que pretendia. Sempre senti que tinha potencial para o atletismo, mas essa atitude comprometeu totalmente o meu desempenho. Recordo-me que num sábado fui a uma festa de anos de um amigo. Deram-me uma bebida para eu beber. Sei que apenas bebi um bocado e não me levantei mais. No dia seguinte tinha uma prova de 3000 metros em pista. Eu era o único júnior num elenco de séniores. Claro que fiquei em último, mas para mim foi uma enorme vitória terminar a prova.
A maioria das provas foram canceladas ou adiadas, estou-me a lembrar de uma em concreto que é muito especial para ti, podes adivinhar a qual me refiro? O que tem de tão especial?
A corrida dos viriatos. Foi uma prova que já a fazia enquanto militar. Mesmo depois de deixar a carreira militar era a única prova de atletismo que fazia durante o ano. Sentia-me bem estar novamente entre a família militar, pois foi com ela que cresci enquanto pessoa, que aprendi o verdadeiro valor de camaradagem, de entreajuda, de espírito de sacrifício e do cumprimento do dever. Daí ser tão especial, nesse dia sinto-me como
um filho no regresso a casa dos pais. Para além disso acho-a uma prova bastante exigente e completa, pois tem um pouco de tudo (estrada, paralelos, terra batida, subidas, descidas, planos), uma das provas em que a cada ano me tento superar. Este ano tinha como objetivo ficar nos 10 primeiros. Treinei tanto para o conseguir. Fica para o ano.

Pista do Estádio Municipal do Fontelo
Tiveste uma carreira militar com algumas missões de paz, para ti a condição física é mais, menos ou igualmente importante que a psíquica num cenário de “guerra”?
As duas são indissociáveis, elas complementam-se e se, em algum momento uma delas estiver comprometida, a outra assume-se como a solução para estabelecer novamente o equilíbrio. Desde cedo percebi isso. Tinha 19 anos quando me aventurei na minha primeira missão (Timor). Nunca tinha estado mais do que uma semana ausente das pessoas de quem mais gostava e de repente vi-me numa realidade completamente diferente da do nosso imaginário. Nós concebemos uma realidade acerca do mundo fundamentada nas informações que recolhemos dos diferentes meios de comunicação, no entanto quando saímos da nossa “zona de conforto” somos confrontados com algo totalmente diferente. Recordo-me como se fosse hoje o meu primeiro dia de missão; só me apetecia regressar a casa. No entanto sabia que tinha uma missão a cumprir e não podia deixar mal o meu país. A corrida foi a minha aliada para me manter fisicamente e psicologicamente equilibrado. Acabei por passar 8 meses e 22 dias em Timor sem vir a casa de férias; fui o único entre os mais de 800 homens e sei que a corrida foi a minha fonte motivadora.
A nível profissional estiveste e estás diariamente na frente de combate ao COVID (aproveito para agradecer a todos os profissionais de saúde), estas mudanças nas tuas rotinas diárias causaram certamente algum desgaste físico e mental, foi uma tarefa fácil organizar os teus treinos?
Foi um período de muito trabalho que me estava a conduzir a um desgaste físico e mental, pois chegava por vezes a fazer 12 horas de trabalho e quando chegava a casa só me apetecia deitar. No entanto eu sempre defendi que um Enfermeiro para poder cuidar das pessoas tem de cuidar primeiro de si próprio porque senão isso vai-se refletir na forma como cuidamos os outros, vai-nos comprometer o sorriso, a energia, o foco, a empatia, essenciais ao processo de cuidar. Como tal, quando me apercebi
que estava a entrar num processo de desgaste, mais uma vez a corrida foi a ancora que me permitiu ultrapassar esta fase mais complicada. Apesar de toda uma controvérsia sobre se devíamos ou não correr, para mim não houve quaisquer dúvidas, eu tinha de o fazer, mantendo sempre os cuidados necessários. A maior parte das corridas que fiz foi a ir ou a regressar do trabalho. Não correr ia comprometer seriamente o meu
trabalho e saúde, pois ia ficar mais suscetível à doença.
Em todas as competições que participaste, qual te pareceu a mais bem organizada e já agora a mais desorganizada (risos)?
A mais bem organizada foi a meia maratona de Ílhavo (2019), enquanto as mais desorganizadas são aquelas que eu planeio contra mim mesmo (risos). Falta o abastecimento, as pessoas a aplaudir, enfim, um verdadeiro desastre.
A tua estreia na maratona estava agendada para Aveiro Maratona da Europa (abril 2020), ainda manténs esse objetivo de fazer os 42,195 km a curto prazo?
Sim, embora tenha presente que uma maratona necessita de um tipo de treino que eu não tenho de momento, é um desafio a superar a curto prazo. Tenho imenso respeito por quem faz uma maratona, pois é uma prova de exigência física e mental.
Foste um dos mentores (conjuntamente com o Paulo Ferreira) da já tão “afamada” estafeta do 10 de junho (VISEU -> TORRE), um estrondoso sucesso que demorou 06h31m55s a concluir os 81 km (parabéns a todos), queres comentar alguma peripécia?
Só tenho boas recordações desse dia. Apesar de o atletismo ser visto como um desporto individual, tem uma forte componente de trabalho em equipa. Sem uma equipa por vezes desanimamos quando não alcançamos os resultados esperados, sem uma equipa por vezes desistimos nos treinos mais duros, sem uma equipa não temos a mesma força motivadora. Acima de tudo este desafio foi um tributo ao atletismo, à superação, à amizade, à camaradagem, à vida.

Tens alguma recomendação, dica ou conselho a nível de métodos de treinos para o futuro? Ou é segredo (risos)?
Desde que reiniciei esta etapa no atletismo, já tive uma lesão complicada e já entrei em fadiga extrema. Aprendi que o descanso é tão importante como o treino mais exigente, no entanto, perante o que sinto e o que observo, para se ser um bom atleta temos de nos sentir equilibrados em todas as facetas da nossa vida. Eu ainda tenho um caminho a percorrer para conseguir esse equilíbrio. A partir daí é a dedicação ao treino, o resto consegue-se, não há impossíveis.
Como avalias a tua evolução como atleta e, porque não como pessoa na Academia de Veteranos? Alguma sugestão? Achas que a Academia tem “pernas para andar mais rápido” (risos)?
Descobri um grupo fantástico de pessoas. Pessoas essas que descobriram por si só os benefícios de um desporto tão exigente para o bem-estar físico, mental e espiritual. Sei que temos todos um objetivo comum – “enaltecer o atletismo” e para isso, embora demonstremos muita dedicação ao treino, sabemos que o futuro está nas crianças que fazem parte do clube. Temos um grupo fantástico de miúdos com um potencial enorme para este desporto. Compete-nos a nós estarmos sempre ao seu lado a apoiar,
seja nos momentos bons ou nos mais difíceis. Para mim é este o nosso grande dever para com o atletismo e para com o clube. Conhecer cada elemento deste grupo foi um enorme prazer. É com pessoas assim ao
meu lado que eu também cresço enquanto pessoa.
Vamos ter a “lebre” Ricardo (risos) para as próximas épocas na Academia de Veteranos do GDR?
Claro que sim. Embora tenha noção que este período de pandemia nos impediu de treinarmos com mais dedicação, a minha vontade em reiniciar um tipo de treino mais específico é imensa. Estou a encarar este período como um descanso, um recarregar de baterias. Sei que vou voltar mais forte, pois aprendi com erros cometidos em determinados períodos. Quando a motivação é muita, desistir não é opção.
Como te defines como atleta?
Vou antes dizer como me defino enquanto pessoa. Desde cedo aprendi que para conseguirmos o que desejamos, temos de nos esforçar. Iniciei o meu percurso profissional enquanto militar. Não ambicionava fazer carreira militar, embora tenha a firme convicção que o espírito militar me acompanhará para sempre. O meu objetivo era continuar os estudos e foi o que fiz. Entrei num curso exigente (enfermagem) e cedo percebi que para o concluir com êxito tinha de fazer grandes sacrifícios. E como a motivação era a minha “fonte de alimentação”, foi superado com sucesso. Apenas
tinha oito horas por semana para poder ir à escola. Muitas vezes fiz exercícios militares e à noite, enquanto os meus camaradas descansavam, eu dava comigo a estudar aqueles livros enormes. Aprendi a estudar nessa altura. Acabei o curso sem reprovar nenhum ano e com uma média superior à de muitos colegas meus. A partir daí aprendi que tudo depende da nossa motivação. Aprendi também, que nos momentos da vida mais difíceis, não devo estar à espera de alguém que me incentive a ultrapassar os obstáculos, nós próprios temos de entrar num processo de autoajuda. É claro que sentirmos o apoio de quem está ao nosso lado é importante, mas acreditem que quando nos conseguimos reerguer, olhar em frente, lutar e conquistar, o sabor da vitória é totalmente diferente.
Ricardo, para terminar, agradeço a tua disponibilidade, és uma referência dentro e fora da Academia, da minha parte vou continuar a seguir o teu exemplo como atleta…mais difícil será seguir-te na pista (risos)! Obrigado e grande abraço!
Eu é que agradeço esta iniciativa. Quero ainda dizer que estou disponível para participar numa série de “provas” cujo objetivo principal é enaltecer o clube e assim também o atletismo. E não se esqueçam #juntossomosmaisfortes.




